sábado, 27 de julho de 2013

O Boletim de Sanidade e a Indústria Alimentar

O Ministério da Agricultura publicou em 29 de Agosto de 1938, legislação rigorosa destinada à colheita, armazenamento e venda do leite em condições higiénicas (D. L. nº 28:974). Com um preâmbulo muito interessante começava por definir o leite de vaca como um «alimento perfeito ou quase perfeito». Apesar disso era reconhecida a sua capacidade para transmitir doenças, entre as quais a tuberculose bovina que 150.000 pessoas na Grã-Bretanha haviam contraído entre 1921 e 1935. Em Portugal passava-se o mesmo, mas como sempre não eram avançados números.
Era já conhecida a história da “Maria Tifosa”, uma cozinheira irlandesa, portadora de febre tifóide, que emigrou para os Estados Unidos onde, no início do século XX, veio a infectar um número considerável de pessoas. Em Portugal também existiu uma “Maria Tifosa”, que me recordo de ser mencionada na faculdade, mas de que infelizmente não fixei pormenores.
Tornava-se pois necessário avançar com alterações radicais no que respeitava à higiene dos estábulos e dos locais de recolha e de tratamento do leite, mas também garantir a sanidade dos animais e das pessoas envolvidas neste processo.

No capítulo VII da publicação inicial já referida legislava-se sobre as condições de venda e distribuição de leite. Exigiam-se locais de venda com paredes revestidas a azulejos, câmaras ou armários refrigerantes e a existência de abastecimento de água no local. As garrafas deviam ser de vidro incolor, de fundo liso, obturadas e seladas.
No que dizia respeito aos vendedores ambulantes de leite não engarrafado que actuavam fora das áreas abastecidas pelas centrais pasteurizadoras, só podiam exercer o seu mester nas seguintes condições:
1 - Não serem portadores de qualquer doença transmissível.
2 - Estarem inscritos no registo de inspecções de saúde.

Aos vendedores de leite ambulantes que fossem aprovados era passado um «Boletim de Sanidade». É um desses primeiros boletins que podemos aqui ver e que desencadeou esta investigação. Com o nº 63, foi emitido pela delegação de Saúde de Beja, em maio de 1940, para uma leiteira, provavelmente de Lisboa, uma vez que era essa a origem do seu B. I.
Esta legislação respeitante aos produtos alimentares foi a primeira da época do Estado Novo e iria estender-se à venda de outros alimentos como o pão. Aliás, o artigo nº 86 desta lei já avisava que nas fábricas de manteiga e de outros derivados do leite se deviam adoptar as mesmas práticas higiénicas até ao aparecimento de diploma que regulamentasse essas industrias.

Na sequência destas exigências saiu em 2 de fevereiro de 1939 uma Portaria (nº 9:161) que confiava à Imprensa Nacional de Lisboa, com direito exclusivo, a execução e fornecimento dos boletins de sanidade passados aos vendedores ambulantes de leite não engarrafado.
Apenas em 6 de janeiro de 1951 (portaria nº 18:412) foram aprovadas as instruções relativas ao boletim de sanidade do pessoal empregado no fabrico e venda do pão e de outros produtos alimentares. Passaram a exigir-se exames médicos aos trabalhadores que manipulavam alimentos (cozinheiros, padeiros e outros) ou dos que lidam com eles (criados de mesa e de café, caixeiros de mercearia, leiteiros, vendedores ambulantes de bolos e gelados, etc.).
O amassar do pão numa padaria em Lisboa in «Illustração Portugueza », 1911.

Em 1986, o D.L. n.º 252/86 de 25 de Agosto, no artigo 8º, respeitante ao boletim de sanidade, mantinha que «os indivíduos que intervenham no acondicionamento, transporte ou venda de produtos alimentares serão, obrigatoriamente, portadores do boletim de sanidade»; contudo em 1988 a Portaria 149/88, de 9 de Março, que fixava as regras de asseio e higiene a observar na manipulação de alimentos, determinava a abolição do boletim de sanidade.


Sem comentários: