quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A Farinha Alimentícia Serpentina

Na procura de informação sobre os licores açorianos fui alertada por amigos[1] para a publicidade à «Farinha Serpentina».
Foi precisamente Ezequiel Moreira da Silva (1893-1974), um dos pioneiros na produção de licores de maracujá, quem iniciou também a produção deste tipo de farinha, nos Açores.
Ainda hoje as Papas de Serpentina, uma sobremesa preparada com farinha extraída de uma planta de nome Serpentina, são um dos doces típicos da freguesia de Ribeira Chã. Mas vejamos o que é a serpentina que eu desconhecia. O seu nome científico é Arum italicum Mill. subsp. neglectum e o nome vulgar: jarro, alho-dos-campos, arrebenta-boi, bigalhó, candeias, sapintina, serpentina e jarro-dos-campos. É sob este último nome que é mais conhecida no continente. 
Basilius Bessler, Hortus Eystettensis, 1640

O género Arum L. pertence à família botânica das Aráceas e é constituído por cerca de 26 espécies das quais duas crescem espontâneamente em Portugal. Embora seja mais conhecida como planta ornamental, este tipo de jarro tem sido usado na alimentação, mas apenas o rizoma (caule subterrâneo), porque as restantes partes da planta são tóxicas. Mesmo os rizomas, habitualmente transformados em farinha[2], que pode ser utilizada para fazer pão[3], devem apenas ser usados cozinhados.
A planta foi usada como produto medicinal para tratamento das perturbações gástricas. O facto de ser utilizada para os mesmos fins nos Açores, em Portugal continental e na América no Sul, segundo alguns investigadores, indica uma relação com povoamento das ilhas na época dos Descobrimentos.
Ezequiel Moreira ao centro, com alguns alunos do colégio que possuía, cerca de 1920.
Quando Ezequiel Moreira da Silva decidiu implementar a utilização desta farinha divulgou no arquipélago a cultura desta planta. Os agricultores cultivavam-na e vendiam os rizomas ao empresário que a transformava em farinha e a vendia em Lisboa nos Estabelecimentos Jerónimo Martins. Com o tempo, estes pensaram que podiam ganhar mais dinheiro moendo eles a serpentina. Mas a qualidade ressentiu-se e Ezequiel Moreira da Silva veio a Lisboa comunicar que suspendia a produção e acabou a produção de Serpentina.
Nas memórias de seu filho, com o mesmo nome, publicadas no jornal «Correio dos Açores» e acessíveis na internet, ficamos a saber que foi o próprio fundador quem escreveu as quadras «Cravos e Alcachofras», que compõem um folheto de oito páginas, que acompanhava a publicidade à Farinha Serpentina, ainda nos tempos áureos da sua produção.


[1]  Agradeço a informação ao Afonso Oliveira que nos Açores contactou o neto de Ezequiel Moreira, Rui Coutinho, que completou a informação sobre a antiga actividade e me facilitou a fotografia do avô.
[2] Os ingleses extraiem dos rizomas uma fécula que é conhecida como Sagu de Portland.
[3] Foi sobretudo usada em tempo de dificuldades. Em França, durante a revolução francesa, fazia-se com ela pão e uma espécie de bolos.

9 comentários:

Rui Coutinho disse...

As minhas felicitações à autora do post.
Resta apenas dizer que as ditas quadras foram escritas numa só noite com a ajuda duma pinga inspiradora.

Ana Marques Pereira disse...

Rui Coutinho,
Uma rica pinga nos festejos dos Santos Populares, segundo consta, no Restaurante Ribadouro, em Lisboa.
Obrigada. Um abraço

Afonso disse...

Rui e Ana
Temos que encontrar mais artigos interessantes dos Açores para a Ana desenvolver.
Gostei muito.
Afonso

Carlos Caria disse...

Olá Ana, ao ler este artigo, veio a minha memória, outra das grandes produções da Ribeira Grande em S. Miguel que foi a Chicória,ou o café dos pobres.
Ainda hoje existem vestigos de algumas dessas fábricas na Ribeira Grande.
Abraço amizade.

Ana Marques Pereira disse...

Carlos Caria,
Gostaria de falar também sobre a chicória e sobre os nomes que lhes eram atribuídos completamente diferentes dos do café. Dá um bocadinho de trabalho mas prometo fazê-lo. Sabe o nome dessas fábricas?
Um abraço

Carlos Caria disse...

Ana,só vi os edificios em ruinas, e foi informação recebida via oral de um motorista de taxi, mas seguramente os amigos de S. Miguel conheçem os nomes e história das ditas.
Abraço amizade

Uenes Macêdo disse...

Achei muito interessante suas pesquisas e me deparei com o comentário do Carlos Caria sobre a Chicória.
Essas fábricas da Ribeira eram dos meus tios que ai viviam, Maria da Encarnação Soares de Macêdo e Clemente Soares de Medeiros.
Hoje pouco se sabe sobre a chicória mas assim que pesquisar algo me envie que tenho muito interesse em saber.

Ana Marques Pereira disse...

Uenes Macedo,
Já está a ajudar na investigação. È um assunto a que voltarei com mais tempo. Obrigada pela achega.

Carlos Caria disse...

Uenes Macedo,
Talvez pesquisando no Arquivo Distrital de Ponta Delgada ou quem sabe se também o houver na Ribeira Grande se chegue a informações mais precisas.
Bom trabalho na pesquisa.
Carlos Caria