sexta-feira, 27 de julho de 2012

Sebastião come tudo!

Se tivesse que adicionar um subtítulo para o poste sobre esta música que todos conhecem seria: «a verdade reposta».

Quando os meus olhos pousaram sobre a partitura original desta música percebi que tinha que falar nela. Esta canção, que se considera hoje como música para crianças, é na realidade uma dança portuguesa.
A capa da partitura, interessantíssima como tudo o que saía das mãos de Stuart Carvalhais (1887-1961), mostra um comilão, o Sebastião, sentado a uma mesa servido por uma fila interminável de criados com iguarias.
A música é da autoria de Alexandre da Silva Moreira (1912-2005) e a letra de J. Oliveira Santos (ca. 19-) e foi publicada em Lisboa pela Sassetti, em 1943.

Vejamos apenas o início da letra para percebermos como foi modificada:

Sebastião come tudo,
Sebastião come tudo,
Sebastião tudo come sem colher,
Sebastião fica todo barrigudo
e depois dá pancada na mulher...

Esta música foi uma criação da Orquestra Melo Júnior (Sebastião Ferrão de Melo Júnior, nascido em 18--) que actuava no piso superior do Café Chave d’Ouro, no salão de chá.
Nele também actuou, durante anos, um conjunto de músicos que faziam parte da Orquestra Ligeira da Emissora Nacional, que era então dirigida pelo maestro Tavares Belo e esse programa, sobretudo com música de jazz, era transmitido directamente por essa estação de rádio.
O café foi fundado em 1916 e situava-se no Rossio, ocupando toda a área de um edifício pombalino transformado e incluía zonas de restaurante, salão de chá, tabacaria, barbearia e bilhares. A entrada principal do Café Chave d'Ouro, apresentava, sobre a porta, uma escultura em pedra lioz, um anjo de asas abertas em estilo arte-nova, da responsabilidade de Fausto Fernandes.
Em 1936 foi remodelado por Norte Júnior, que lhe alterou a fachada e o seu interior, imprimindo-lhe características “Art Déco”.
O Chave D’ouro era frequentado por intelectuais e pela classe politica oposicionista ao regime de Salazar. Foi o local escolhido para a conferência de imprensa que lançou a candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República, em Maio de 1958. e onde este ao responder à pergunta de um jornalista da France Press: "Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho se for eleito?" proferiu a célebre frase: "Obviamente, demito-o", que lhe custaria a vida.
Este e outros factos levaram a que o regime de Salazar encerrasse o Chave d’Ouro em 1959.
Voltemos ao nosso «Sebastião Come Tudo» motivo deste poste. Esta música entrou rapidamente no ouvido das pessoas e tem até hoje sido interpretada de várias formas. Em 1964, Manuel Concha e o conjunto Os Conchas lançaram um disco que inseria esta música.

Em 1986 “Sebastião Come Tudo” deu o nome a um programa televisivo de culinária infantil, criado e apresentado por Manuel Luís Goucha, onde dialogava com um boneco, o Sebastião, que ia aprendendo a comer. Para além disso o tema musical utilizada era este mesmo, mas surge como sendo da autoria de José Jorge Letria para a letra e música de Tó Serqueira.

Vejamos então a letra modificada:

Sebastião come tudo tudo tudo tudo.
Sebastião come e sabe o que quer.
Sebastião não quer ser um barrigudo,
lava as mãos e come sempre com talher.
Sebastião come tudo tudo tudo tudo.
Mas não ficamos por aqui. As preocupações educativas com as crianças levaram a que a canção, agora definitivamente adaptada a um público infantil, fosse novamente modificada. Para não ferir o espírito das crianças, as mesmas que jogam com consolas com jogos que simulam mortes, surgiu, em 2011, uma nova versão num disco da Leopoldina (para mim uma imagem assustadora), interpretada por um grupo musical chamado Cool hipnoise.

Vejamos a versão soft:

Sebastião come tudo, tudo, tudo,
Sebastião come tudo sem colher,
Sebastião fica todo barrigudo,
E depois dá beijinhos na mulher.


Finalmente percebe-se porque devia ter colocado como título: «Sebastião Come Tudo!. A verdade reposta».

Nota: Fotografias do Café Chave d'Ouro cedidas pelo Arquivo Fotográfico da CML

2 comentários:

Cantinho disse...

Meu nome é Alexandre Cantinho Moreira, moro em São Paulo (Brasil) e sou neto do autor da música Sebastião Come Tudo, Alexandre da Silva Moreira.
Fiquei muito contente de ter visto a sua pesquisa e o registro da partitura com o nome do meu avô.
Em todos os lugares que eu procurei, a música era exibida mas seus autores nunca são citados.
Agradeço sua atitude em publicar esse post.
Para sua atualização, meu avô faleceu em 08-10-2005.
Grato.

Ana Marques Pereira disse...

Cantinho,
Agradeço a sua informação e as suas palavras de apreço.
Já actualizei as datas de vida do seu avô.
Muito obrigada.