segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O "Almanach das Senhoras" para 1923

Nos finais do século XIX e primeiro quartel do século XX foram publicados vários almanaques. A palavra almanaque vem do árabe al-manakh (1) que significa «lugar onde o camelo ajoelha», querendo portanto referir-se a um ponto de encontro. Um livro com essa designação apresenta um calendário do ano com as festas anuais, informações úteis, informações culturais, actualidades, charadas, etc.
O que este “Almanach das Senhoras” tem de diferente é que se trata de um almanaque feminino, escrito e publicado numa época em que as mulheres tinham ainda muita dificuldade em impôr-se na literatura. Foi um anuário fundado por Guiomar Torrezão (1844-1898), em 1871, e que se publicou até 1928. A sua acção valeu-me muitas críticas sobretudo da parte de escritores mais conservadores. Isso no entanto não impediu a colaboração de outros elementos do sexo masculino, como foi o caso de Rafael Bordalo Pinheiro que desenhou a capa de 1876/1877.
De entre as muitas colaboradores destaco também Maria Amália Vaz de Carvalho.
Quando morreu Guiomar Torrezão, seguiu-lhe a sua irmão Felismina Torrezão, como proprietária e Júlia de Gusmão como directora literária.
A publicação para o ano de 1923, é já da Parceria de António Maria Pereira e tinha como directora literária Maria O’Neill. Esta fazia parte do “Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas” fundado em Março de 1914, sob a direcção da médica ginecologista Adelaide Cabete (1867-1935), que havia já participado na criação da “Liga Republicana das Mulheres Portuguesas”, em 1909, com Ana de Castro Osório.
Este número de 1922/1923 comemora também a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, feita pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e SacaduraCabral, em 1922, aquando das comemorações do Primeiro Centenário daIndependência do Brasil. O mesmo aconteceu com o “Almanaque Ilustrado do Jornal o Século” do mesmo ano, que na sua capa apresentava o avião dos dois heróis nacionais.
Voltamos ao “Almanaque das Senhoras”, que é muito interessante também no que respeita à sua publicidade, e de que apenas apresento dois anúncios. O primeiro de um produto para «emagrecer sem perigo» e um segundo, vanguardista, de um outro medicamento francês para regular os períodos menstruais.
Apesar de feminista este número presta homenagem a vários homens da sociedade portuguesa, com um pequeno texto e fotos. Saliento o dedicado a Felix Bermudes, autor de «João Ratão», do «Conde Barão» e da «Pérola Negra». Após o elogio a autora escreve:«Enfim não há ninguém que não tenha um senão; o de Felix Bermudes é caçar. Desejamos que uma lebre agonizante lhe lance um olhar que o comova e o convença a respeitar a vida dos animais. Estão será perfeito».
Contudo esta opinião não impediu de publicarem uma foto intitulada «Refeição de caçadores», enviada pelo colaborador Francisco Alves Ferreira e que representava o caçador de hipopótamos sr. Leonel de Lemos e os seus companheiros, na lagoa de Ingolome, «restaurando as forças com uma substancial refeição na qual não foi o acepipe menos apreciado uns saborosos bifes de hipopótamo, convenientemente regados, a ajuizar pelo bojudo garrafão que figura junto da improvisada mesa».
(1) Machado, José Pedro, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa.

3 comentários:

Especialmente Gaspas disse...

Que interessante. Deve ser uma delicia de se ler :)

Ana Marques Pereira disse...

Especialmente Gaspas,
É realmente muito interessante sobretudo se o comparamos com o Almanaque do Século, do mesmo ano, que tem sobretudo um aspecto prático, menos sonhador.
Não há dúvida que andou aqui mão de mulher.
Um abraço

Ana Maria Job disse...

Muito rica essa pesquisa Ana.Me interessou muito em saber, quais as recomendações da época, para emagrecer"sem perigo".Obrigada pelo contato com Carolina.Está chegando amanhã aqui.Estou morrendo de saudades dela.Abraço.